A Guerra dos Judeus contra os Romanos – Parte 12 – A destruição de Jerusalém

Conforme Josefo, “foram feitos prisioneiros durante esta guerra noventa e sete mil homens e o assédio de Jerusalém custou a vida a um milhão e cem mil homens, dos quais a maior parte, embora judeus de nascimento, não eram nascidos na judéia, mas lá se encontravam de todas as províncias para festejar a Páscoa e haviam ficado presos na cidade por causa da guerra.

Como não havia lugar para acomodá-los a todos, sobre¬veio a peste e logo em seguida a carestia. Pode-se julgar que era difícil que aquela cidade, sendo tão grande, estivesse de tal modo povoada, que não havia lugar para tanta gente, principalmente esses judeus vindos de fora, mas não há melhor prova para isso, do que o recenseamento feito no tempo de Céstio.

Pois esse governador, querendo dar a conhecer a Nero, que tinha tanto desprezo pelos judeus, a força de Jerusalém, rogou aos sacerdotes que contassem o povo. Eles escolheram para isso o tempo da festa da Páscoa no qual desde as nove horas até às onze, sem cessar, imola¬ram-se vítimas, cuja carne era consumida pelas famílias, que não tinham menos de dez pessoas, algumas até vinte. Concluiu-se que haviam sido imolados duzentos e cinqüenta e cinco mil e seiscentos animais, de onde, contando-se apenas dez pessoas para cada animal, teríamos dois milhões, quinhentos e cinqüenta e seis mil pessoas, purificadas e santificadas. Não eram admitidos a oferecer sacrifícios nem os leprosos, nem os que sofriam de gonorréia, nem as mulheres que estavam no tempo do incômodo que lhes é ordinário, nem os estrangeiros que, não sendo judeus de raça, não deixavam de sê-lo, por devoção a essa solenidade. Assim, aquela grande multidão que se tinha dirigido a Jerusalém, de tantos e tão diversos lugares, antes do cerco, lá se encontrou encerrada como numa prisão, quando a guerra começou.

Parece, pelo que acabo de dizer, que nenhum acidente humano, nem flagelo algum mandado por Deus, jamais causaram a ruína de um tão grande número de pessoas, como o dos que pereceram pela peste, pela fome, pelas armas e pelo fogo, durante esse cerco, ou que foram levados como escravos pelos romanos. Os solda¬dos rebuscaram até nos esgotos e nos sepulcros, onde mataram a todos os que ainda estavam vivos e desses encontraram mais de dois mil que se haviam matado uns aos outros ou a si mesmos, ou que tinham sido mortos pela fome. O mau cheiro que saía desses lugares infectados era tão grande, que vários, não podendo suportá-lo, abandonavam-no.

Assim terminou Jerusalém, no dia oito de setembro, no segundo ano do reinado de Vespasiano. Tito ordenou que destruíssem a cidade até os alicerces, com exceção de um pedaço do muro, que está do lado do ocidente, onde ele tinha determinado construir uma fortaleza e as torres de Hípicos, de Fazael e de Mariana, porque, sobrepujando a todas as outras em altura e em magnificência, ele as queria conservar para mostrar à posteridade, quão grandes foram o valor e a ciência dos romanos na guerra, para se apoderarem daquela poderosa cidade, que se tinha elevado a tal nível de glória. Essa ordem foi tão exatamente cumprida que não ficou sinal al¬gum, que mostrasse haver ali existido um centro tão populoso. Tal o fim de Jerusalém, cuja triste sorte só se pode atribuir à raiva daqueles revoltosos que atearam o fogo na guerra. (Ibid 498 – 500)

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A Guerra dos Judeus contra os Romanos – Parte 11 – Tito entra em Jerusalém

Ao mesmo tempo em que o fogo consumia o Templo os romanos matavam a todos os que encontravam. Mais proveitosa é a leitura do próprio texto de Josefo: ” Não perdoavam nem à idade, nem à condição. Os velhos e as crianças, os sacerdotes e os leigos, eram todos passa¬dos a fio de espada; todos eram envolvidos nessa matança geral e os que recorriam aos rogos não eram tratados com mais clemência do que os que tinham a coragem de se defender até o fim; o gemido dos moribundos misturava-se com o barulho do crepitar das chamas, que avançavam sempre e o incêndio de tão grande edifício, situado num lugar elevado, fazia, aos que o contemplavam de longe, pensar que toda a cidade estava sendo devorada pelas chamas.
Nada se poderia ouvir de mais horrível, do que o ruído que ecoava pelo ar, em todas as direções.

Não se pode imaginar o que faziam as legiões romanas, tomadas de furor; os gritos dos revoltosos, que se viam envolvidos de todos os lados pelas armas e pelo fogo misturavam-se com as queixas e lamentações do pobre povo, que estava no Templo e que levado pelo desespero, ao fugir, atirava-se nos braços dos inimigos; vozes confusas elevava até o céu a multidão que estava no alto do monte fronteiro ao Templo, contem¬plando o horrível espetáculo. Aqueles mesmos que a fome tinha reduzido aos extremos, aos quais a morte estava prestes a fechar os olhos para sempre, percebendo o incêndio do Templo, reuniam todas as suas forças para deplorar tão grave desgraça; os ecos dos montes vizinhos e da região que está além do Jordão multiplicavam ainda esse barulho horrível. Por mais espantoso que fosse, porém, os males que causava eram-no ainda mais. O fogo, que devorava o Templo, era tão grande e violento que parecia que o mesmo monte sobre o qual estava situado ardia todo inteiro. O sangue corria em tal quantidade que parecia querer competir com o fogo, quem se estenderia mais. O número dos mortos era muito maior que o daqueles que os sacrifica¬vam à sua cólera e vingança; toda a terra estava coberta de cadáveres; os soldados pisavam-nos, para poder continuar a perseguir os que ainda tentavam fugir. Por fim os revoltosos organizaram tão violento ataque que repeliram os romanos, chegaram ao Templo exterior e de lá retiraram-se para a cidade.

Os romanos, julgando que uma vez queimado, seria inútil poupar o restante, incendiaram, também todos os edifícios dos arredores; e assim eles foram destruídos com tudo o que restava dos pórticos e das portas, exceto as duas que estavam do lado do oriente e do sul, que eles destruíram depois, até os alicerces. Incendiaram também a tesouraria que estava cheia de uma quantidade enorme de riquezas, quer em dinheiro quer em soberbas peças de vestuário e outras coisas preciosas, porque os mais ricos dos judeus para lá haviam levado o que tinham de melhor.
Fora do Templo só restava uma galeria, onde seis mil pessoas do povo, homens, mulheres e crianças se tinham reunido para se salvar; mas os soldados, levados pela cólera, incendiaram-na também, sem esperar a ordem de Tito, uns morreram queimados, outros atirando-se para baixo, para não sofrer morte se¬melhante, se suicidaram, de sorte que nem um só se salvou. (Ibid 472-474)

Com o Templo tomado, passaram os soldados a atacar indistintamente as populações da cidade, matando sem qualquer traço de piedade mulheres, crianças e velhos. As casas eram saqueadas e incendiadas. Os que nelas entravam, para saqueá-las, encontravam-nas cheias de cadáveres de toda a família que a fome havia feito perecer.

Josefo diz que “foi a oito de setembro que Jerusalém, depois de ter sofrido tantos males, por fim, desapareceu sob o violento incêndio. Durante o assédio, mil sofrimentos a atormentaram, fazendo que sua felicidade e seu esplendor, que desde a funda¬ção haviam sido enormes, se eclipsassem, depois de a terem tornado digna de inveja. Mas em tal conjuntura, depois de tantos males, essa infeliz cidade não é digna de lástima, a não ser por ter agasalhado em seu seio aquela multidão de víboras, que a devoraram e foram a causa de sua ruína.” (Ibid 495)

Mesmo com a cidade entregue à superioridade dos romanos, ainda assim continuou a mortandade de pessoas, mesmo havendo ordens de Tito para que fossem poupados os que desejassem a paz.

Josefo conta que “dentre os que foram poupados, os que tinham mais de dezessete anos foram enviados para trabalhar nas obras públicas e Tito distribuiu um grande número deles pelas províncias para servirem de espetáculo de gladiadores e combater contra as feras. Os que tinham menos de dezessete anos foram vendidos.

Dessa forma, enquanto estes míseros eram encaminhados como escravos, onze mil outros morreram, uns, porque seus guardas que os odiavam não lhes deram de comer, outros, porque não o queriam fazer, desgostosos como esta¬vam da vida, preferiam mesmo morrer e também porque dificilmente se encon¬trava trigo para alimentar tanta gente”. (Ibid 497)

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A Guerra dos Judeus contra os Romanos – Parte 10 – O Templo incendiado

Josefo diz que em 8 de agosto Tito mandou colocar arietes na direção dos portões do Templo em seu lado ocidental, batendo por seis dias seguidos sem qualquer resultado. O mesmo se deu quanto à tentativa de arrancar algumas pedras dos alicerces das portas. Tentaram também escalar o portão com escadas, o que os judeus repeliam, e assim, vários romanos perderam suas vidas. Tito, vendo que o seu desejo de conservar o Templo custava a vida de um grande número de soldados, mandou incendiar-lhe os pórticos, que queimaram pelo restante daquele dia e toda a noite, de maneira que, no dia seguinte, ordenou que fosse extinto o fogo e o caminho aplainado para a passagem das tropas.

Reuniu em seguida seus comandantes para deliberarem sobre a resolução que deviam tomar com relação ao Templo. Diz Josefo que “uns, foram de opinião de se usar do poder que lhes dava o direito da guerra, porque enquanto ele subsistisse, os judeus que ali se reuniram de todas as partes da terra, sempre se haveriam de revoltar. Outros disseram, que se os judeus o abandonassem, sem querer mais defendê-lo, julgavam que então poderia ser conservado.

No entanto, se continuassem a fazer guerra, seria preciso incendiá-lo, porque não deveria mais ser considerado como um Templo, mas como uma fortaleza e seria aos judeus somente que se deveria atribuir a ruína do mesmo, porque lhe tinham sido a causa. Depois de terem assim opinado, Tito disse que ainda que os judeus se servissem do Templo como de uma praça de guerra, para continuar na sua revolta, não era justo vingar-se em coisas inanimadas, pelas faltas cometidas pelos homens, reduzindo a cinzas uma obra cuja conservação seria tão grande ornamento para o império. Ninguém mais en¬tão pôde duvidar de seus sentimentos; Alexandre, Cerealis e Fronto foram da mes¬ma opinião; dissolveu-se o conselho e o príncipe ordenou que se desse descanso às tropas, para pô-las em condições de dar um assalto mais forte ainda, quando fosse necessário. Ordenou em seguida a algumas coortes que apagassem o fogo e fizes¬sem uma estrada, pelo meio das ruínas. Os judeus, cansados e esgotados por tan¬tas fadigas, nada mais empreenderam naquele dia.” (Ibid 463)

Tito resolveu atacar o Templo no dia dez de agosto. Josefo vê naquela decisão, não um ato isolado de Tito, mas verdadeiramente a vontade de Deus a ditar o destino daquele povo: “e assim estava-se na véspera desse dia fatal, em que Deus tinha, há tanto tempo, condenado aquele lugar santo a ser incendiado e destruído depois de uma longa série de anos, como ele tinha outrora, no mesmo dia, sido destruído por Nabucodonosor, rei de Babilônia. Mas não foram estrangeiros, foram os mesmos judeus a causa única de tão funesto incêndio. Um soldado, então, sem para isso ter recebido ordem alguma, e sem temer cometer um horrível sacrilégio, mas, como levado por inspiração divina, fez-se levantar por um companheiro e atirou pela janela de ouro um pedaço de madeira aceso no lugar pelo qual se ia aos edifícios, ao redor do Templo do lado do norte. O fogo ateou-se imediatamente; em tão grande desgraça, os judeus lançavam gritos espantosos. Corriam procurando apagá-lo e nada mais os obri¬gava a poupar suas vidas, quando viam desaparecer diante de seus olhos aquele Templo que os levava a poupá-las pelo desejo de conservá-lo.” (Ibid 466 – 467)

Quando soube do ocorrido, Tito tentou apagar o fogo. “Todos os chefes seguiram-no e as legiões depois dele, com grande confusão e tumulto, clamores tais, que se pode imaginar, quando em tal contingência um grande exército marcha, sem ordem e sem disciplina. Tito gritava com todas as forças, fazia sinais com a mão para obrigar os seus a apagar o fogo, mas tão grande barulho impedia que ele fosse ouvido; o ardor e a cólera de que os soldados esta¬vam cheios, naquela guerra, não lhes permitia notar os sinais que lhe fazia. Assim, aquelas legiões que entravam em massa, não podiam em sua impetuosidade ser contidas nem por suas ordens, nem por suas ameaças; o furor as conduzia; elas apertavam-se de tal modo que muitos caíam e eram pisados, outros, caindo sobre as ruínas do pórtico e das galerias, ainda acesas e fumegantes, não eram, embora vencedores, menos infelizes que os vencidos. Quando todos aqueles soldados che¬garam ao Templo fingiram não entender as ordens que o imperador lhes dava. Os que estavam atrás exortavam os mais adiantados a pôr fogo e não restava então aos revoltosos nem uma esperança de poderem impedi-lo.

De qualquer lado que se lançassem os olhos, só se viam fuga e mortan¬dade. Matou-se um grande número de pessoas do baixo povo, gente desarmada e incapaz de se defender. Em volta do altar havia montes de cadáveres, que eram atirados, depois de assassinados, àquele lugar santo, o qual não era destinado a sacrificar tais vítimas; rios de sangue corriam por todos os degraus.

Tito, vendo que lhe era impossível deter o furor dos soldados e o fogo começava a incendiar tudo em toda parte, entrou com os seus principais chefes no Santuário e achou, depois de tê-lo observado, que sua magnificência e rique¬za sobrepujavam ainda de muito o que a fama havia espalhado entre as nações estrangeiras e que tudo o que os judeus diziam a esse respeito, ainda que pare¬cesse incrível, nada acrescentava à verdade.

Quando viu que o fogo não tinha ainda chegado ali, mas consumia então so¬mente o que estava nas vizinhanças do Templo, julgou, como era verdade, que ainda poderia ser conservado; rogou, ele mesmo, aos soldados que apagassem o fogo e mandou um oficial de nome Liberal, um de seus guardas, que desse mesmo pauladas, nos que se recusassem a obedecer. Mas nem o temor do castigo nem o respeito pelo general puderam impedir-lhes o efeito do furor, da cólera e do ódio pelos judeus; alguns mesmos eram impelidos pela esperança de encontrar aqueles lugares santos cheios de riquezas, porque viam que as portas estavam recobertas de lâminas de ouro e quando Tito avançava para impedir o incêndio, um dos soldados que havia entrado, já tinha posto fogo na porta. Dentro acendeu-se então uma grande labareda que obrigou Tito e os que o acompanhavam a se retirar sem que nenhum dos que estavam fora procurasse apagá-la. Assim, esse santo e soberbo Templo foi incendiado, não obstante todos os esforços de Tito para impedi-lo.” (Ibid 468-469)

Josefo afirma que o Templo foi incendiado “no mesmo mês e no mesmo dia em que os babilônios outrora o haviam também incendiado. Esse segundo incêndio aconteceu no segundo ano do reinado de Vespasiano, mil cento e trinta anos, sete meses e quinze dias depois que o rei Salomão o havia construído pela primeira vez; seiscentos e trinta e nove anos, quarenta e cinco dias depois que Zorobabel o tinha feito restaurar, no segundo ano do reinado de Ciro.

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A Guerra dos Judeus contra os Romanos – Parte 9 – Ai das grávidas e das que amamentarem naqueles dias!

Paralelo ao que acontecia no Templo, a fome grassava na cidade. Josefo conta a estória de uma mulher que quis o destino estivesse presa na cidade naqueles dias. Era rica e fugindo da guerra que chegara à sua aldeia veio refugiar-se em Jerusalém. Viveu ali dias tão amargurados que ao fim de longo sofrimento matou seu filho recém nascido para dele se alimentar. Vejamos como o autor descreve este episódio: “… matou o filho, cozeu-o, comeu uma parte e escondeu a outra.

Aqueles ímpios, que só viviam de rapina, entraram em seguida naquela casa; tendo sentido o cheiro daquela iguaria inominável, ameaçaram matá-la, se ela não lhes mostrasse o que tinha preparado para comer. Ela respondeu que ainda lhe restava um pedaço da iguaria e mostrou-lhes restantes do corpo do próprio filho. Ainda que tivessem um coração de bronze, tal espetáculo causou-lhes tanto horror, que eles pareciam fora de si. Ela, porém, na exaltação que lhe causava o furor, disse-lhes, com o rosto convulsionado: “Sim, é meu próprio filho que vedes, e fui eu mesma que o matei. Podeis comê-lo, também, pois eu já comi. Sois talvez menos corajosos que uma mulher e tendes mais compaixão que uma mãe? Se vossa piedade não vos permite aceitar essa vítima, que vos ofereço, eu mesma acabarei de comê-lo”.

Aqueles homens que até então não haviam sabido o que era a compaixão, retiraram-se trêmulos, e por maior que fosse a sua avidez em procurar alimento, deixaram o restante daquela detestável iguaria à infeliz mãe.

A notícia de fato tão funesto espalhou-se incontinenti por toda a cidade. O horror que todos sentiram foi o mesmo, como se cada qual tivesse cometido aquele horrível crime; os mais torturados pela fome só desejavam morrer, quanto antes, e julgavam felizes os que já haviam morrido, antes de ter tido ciência deste fato ou ouvido narrar coisa tão execrável.

Os romanos também logo souberam de tudo, isto é, da criança sacrificada por sua própria mãe, para que ela pudesse continuar a viver. Uns não podiam crer no que se dizia; outros sentiam imensa compaixão, mas a maior parte viu acender-se ainda mais o ódio que já sentiam contra os judeus.

Tito, para se justificar diante de Deus a esse respeito, protestou em voz alta que ele tinha oferecido aos judeus uma anistia geral de todo o passado e visto que eles tinham preferido a revolta à obediência, a guerra à paz, a carestia à abundância e tinham sido os primeiros a incendiar com suas próprias mãos o Templo, que ele tinha se esforçado por conservar, mereciam ser obrigados a se alimentar de tão execrável iguaria.

No entanto, ele sepultaria aquele horrível crime sob as ruínas da sua capital, a fim de que o sol, fazendo a volta ao mundo, não fosse obrigado a esconder seus raios, pelo horror, de iluminar uma cidade onde as mães se nutriam de carne dos próprios filhos, onde os pais não eram menos culpados que elas, pois tão estranhas misérias não os podiam decidir a abandonar as armas. Estas as palavras do grande príncipe, porque, considerando até que excesso ia a raiva daqueles revoltosos, ele não achava, que depois de ter sofrido tantos males, dos quais apenas o temor deveria trazê-los ao cumprimento do dever, nada poderia jamais fazê-los mudar.” (Ibid 459)

Nos mínimos detalhes esta estória nos lembra as palavras de Jesus em Mateus 24 : 19: “Mas ai das grávidas e das que amamentarem naqueles dias!”

Como a realidade das palavras do Senhor poderiam ser mais amargas e reais que isto? Quem, naqueles dias de Jesus poderia crer que Jerusalém chegaria a este ponto?

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A Guerra dos Judeus contra os Romanos – Parte 8 – A conquista da Fortaleza Antônia

Os romanos construíam neste tempo plataformas e rampas para escalar o terceiro muro, de maneira que toda a vegetação ao redor de Jerusalém foi devastada: “Onde outrora havia bosques e árvores frondosas, jardins deliciosos, não havia agora uma única árvore, e não somente os judeus, mas os estrangeiros, que antes admiravam aquela formosa parte da Judeia, agora não seriam capazes de reconhecer, nem ver os maravilhosos arrabaldes daquela grande cidade, convertidos em terrenos abandonados e silvestres, sem que tão deplorável mudança os fizesse derramar lágrimas. Foi assim que a guerra de tal modo destruiu uma região tão favorecida por Deus, que já não lhe restava o menor vestígio de sua beleza antiga e podia-se perguntar em Jerusalém, onde então estava Jerusalém.” (Ibid 433)

A Fortaleza Antônia veio por fim a cair nas mãos dos romanos, e desta forma, muitos dos que lá se refugiavam fugiram para o Templo, em cujas portas travou-se uma intensa batalha, com tanta gente, e por causa disto, num espaço tão apertado, que só era possível combater usando a espada, porque dardos e flechas eram inúteis por causa da proximidade de uns e outros. Josefo conta que combatiam pisando em cadáveres, e que esta batalha foi travada no escuro, desde as nove horas da noite até o amanhecer.

Tito mandou destruir os alicerces de um lado Fortaleza Antônia de maneira a possibilitar a entrada de um grande contingente de soldados.

Nesta altura da situação, os judeus que conseguiam fugir da cidade e se entregar aos romanos eram bem tratados por estes, e como já fosse grande o seu número, Tito mandou que fossem mostrados a seus compatriotas, para que vissem que estavam em condições dignas e assim pudessem também proceder da mesma forma. Mas não havia hipótese disto acontecer, pois os sediciosos matavam a quer quer que ousasse tentá-lo.

Antes de investir contra a cidade, Tito, que desejava preservar o Templo, mandou novamente Josefo para apelar ao bom censo e pedir sua rendição incondicional. Mas foram vãos os apelos, e assim resolveu atacá-los à noite. Tito comandou pessoalmente o ataque a partir da Fortaleza Antônia.

Por causa da surpresa, os judeus atacavam indistintamente amigos e inimigos, por causa da escuridão da noite. Josefo diz que os romanos podiam distinguir os campaneiros do inimigo porque eles combatiam em grupos, apertados uns contra os outros, cobertos com seus escudos e se serviam, para se reconhecer, da senha que lhes fora dada. Pelo lado dos judeus mataram-se mais entre eles próprios do que pela espada do inimigo. Este combate cessou somente ao raiar do dia com muitos mortos de ambos lados.

Tito ordenou então que a Fortaleza Antônia fosse destruída até os alicerces para abrir espaço para a entrada das legiões. Josefo conta assim o início da destruição do Templo: “Os judeus, enfraquecidos pelas perdas que haviam sofrido em tantos combates, vendo que a guerra se acendia cada vez mais e que o perigo de que o Templo estava ameaçado crescia sempre, resolveram destruir-lhe uma parte, para salvar o restante; do mesmo modo que se cortam os membros de um corpo atacado de gangrena, para impedir que ela passe adiante.

Começaram por incendiar aquela parte da galeria que o unia à Fortaleza Antônia, do lado do vento norte e do ocidente, e derrubaram depois quase vinte côvados e foram assim os primeiros que empreenderam a destruição daquela soberba construção. Dois dias depois, vinte e quatro de julho, os romanos incendiaram a mesma galeria. Depois de terem arruinado uns catorze côvados, os judeus derrubaram o restante e continuaram assim trabalhando na destruição de tudo o que podia ter comunicação com a Fortaleza Antônia embora tivessem podido, se quisessem, impedir aquele incêndio. Eles consideravam sem se inquietar o curso que o fogo tomava para dele servir-se em seu proveito, e as escaramuças se faziam todas em redor do Templo. (Ibid 452-453)

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A Guerra dos Judeus contra os Romanos – Parte 7 – A fome em Jerusalém

A situação chegou a um ponto inimaginável de sofrimento; Josefo a descreve assim: “A fome que sempre aumentava, devorava famílias inteiras. As casas estavam cheias de cadáveres de mulheres e de crianças, e as ruas, de corpos de anciãos. Os moços, inchados e cambaleando pelas ruas, mais pareciam espectros do que seres vivos e o menor obstáculo os fazia cair.

Assim, não tinham forças para enterrar os mortos e quando mesmo as tivessem, não teriam podido fazê-lo, quer por seu número muito elevado, quer porque eles mesmos não sabiam quanto tempo ainda lhes restaria de vida. Se alguém se esforçava por prestar esse dever de piedade, morria também quase sempre de fazê-lo; outros arrastavam-se como podiam até o lugar de sua sepultura, para ali esperar o momento da morte, que estava próxima. No meio de tão espantosa miséria não se ouviam choros nem lamentos, não se escutavam gemidos, porque aquela fome horrível com que a alma estava inteiramente ocupada afogava todos os outros sentimentos.

Os que ainda viviam, contemplavam os mortos com olhos enxutos, e seus lábios inchados e lívidos lhes faziam ver a morte esculpida no rosto. O silêncio era tão grande em toda a cidade, como se ela tivesse sido sepultada numa noite profunda ou que lá não vivesse mais um ser humano. Em tal contingência aqueles celerados, que de tudo eram a causa principal, mais cruéis que a mesma fome e que os animais ferozes, entravam naquelas casas que eram mais sepulcros que lares, e despojavam os mortos, tiravam-lhes até as vestes, e acrescentando ainda a zombaria a tão espantosa desumanidade feriam com golpes os que ainda respiravam para experimentar se suas espadas ainda tinham gume.” (Ibid 424)

Muitos dos que conseguiam fugir da cidade para se entregar aos romanos morriam ao se alimentar, porque estavam há dias sem comer, e o faziam de forma apressada de forma a causar uma terrível indigestão.

Conta Josefo que alguns destes, antes de se entregarem aos romanos, quando possuíam ouro em suas posses, o engoliam para ter como carregá-lo consigo. Aconteceu que um dia um desses fugitivos foi surpreendido procurando ouro no meio de suas fezes, e assim, correndo esta notícia, os soldados passaram a abrir os estômagos daqueles que eram capturados para procurar ouro. Conta Josefo que numa só noite dois mil judeus foram mortos desta maneira. (Ibid 429)

Os cadáveres se entulhavam nas ruas da cidade, de maneira que era impossível se deslocar pelas ruas de Jerusalém sem que se pisasse em algum.

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A Guerra dos Judeus contra os Romanos – Parte 6 – O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos

Josefo estava presente a estes acontecimentos, pois desde o início da campanha de Tito servia-lhe como conselheiro, e desta forma, Tito pediu que ele próprio se dirigisse ao povo em sua língua, a fim de mostrar-lhes que só lhes restava entregar aquilo que na prática já estava tomado.

É importante refletir que a situação de Jerusalém só chegou a este ponto por causa dos grupos de bandidos que tomaram a cidade e não por iniciativa do povo. O povo, mesmo querendo e desejando a rendição, não podia fazê-lo por temor dos malfeitores. Estavam assim, no pior dos mundos, cercados pelos romanos e por bandidos dentro da cidade.

Josefo escolheu um lugar bem alto, fora do alcance dos dardos, de onde os judeus pudessem ouvi-lo. Apelou de todas as formas possíveis: mostrou que as muralhas mais fortes já haviam sido derrubadas e que só restava a mais fraca, e que sua obstinação estava levando à ruína não só a cidade, como também o Templo e a vida de seus cidadãos. Pediu que considerassem que Tito, destinado para a sucessão do império, estava pronto a lhes conceder a paz; se não a aceitassem, seriam todos mortos. Que considerassem que mesmo que conseguissem resistir, a fome os mataria, emfim, não houve argumento que não usasse, mas ao invés de ouvi-lo, zombaram dele, injuriaram-no e alguns até mesmo atiraram-lhe dardos.

Vejamos como ele próprio argumentou com seus patrícios: “Vendo, então, que misérias tão graves não eram capazes de os comover, julgou dever falar-lhes do que havia acontecido no tempo de seus antepassados e disse-lhes: “Miseráveis que sois, vos esquecestes talvez de onde vos veio auxílio em todos os tempos? Será por meio das armas que pretendeis vencer os romanos, como se devêsseis às vossas próprias forças as vitórias que tendes obtido? E esse Deus Todo Poderoso, que criou o universo não foi sempre o protetor dos judeus, quando eles foram injustamente atacados? Não compreendereis vós mesmos, refletindo, o ultraje que lhe fazeis, violando o respeito que lhe é devido, fazendo de seu Templo uma fortaleza, de onde sais empunhando armas como de uma praça de guerra? Esquecestes tantas ações, tão religiosas, de nossos avós e de quantas guerras a santidade desse lugar foi preservada? Tenho vergonha de relatar as obras admiráveis de Deus a pessoas indignas de ouvi-las. No entanto, ouvi-as, a fim de saberdes que é verdadeiramente a Ele e não aos romanos, que resistis.”

E assim, lembrou-lhes de muitos outros casos em que Deus lutou pelo seu povo, mas que agora dava-se o contrário. Nada os fez demover de sua obstinação.

Nesta altura já havia muita fome na cidade, de maneira que os que tinham algum dinheiro vendiam secretamente os seus bens por uma medida de trigo. A comida era escondida nos lugares mais ocultos das casas, onde as refeições eram tomadas cruas. Os revoltosos procuravam alimentos por todas as casas, e quando encontravam, não só o tomavam como também matavam quem os possuía. As pessoas eram espancadas para confessar onde escondiam alguma comida, crianças eram violentadas em frente aos pais para causar intimidação. Josefo relata que “os homens eram pendurados pelas partes mais sensíveis, fincavam-lhes na carne pedaços de pau pontiagudos e os faziam sofrer outros indizíveis tormentos, para fazê-los declarar onde tinham escondido um pão ou um punhado de farinha. Esses carrascos achavam que, em tal conjuntura, podia-se, sem crueldade, praticar tão horríveis ações e eles ajuntaram, por esse meio, o necessário para viver seis dias. Tiravam dos pobres as ervas que de noite eles iam colher fora da cidade, com perigo de vida; nem escutavam os rogos que lhes faziam, em nome de Deus, para lhes deixar uma pequena porção e julgavam fazer-lhes grande favor, não os matando depois de os ter roubado.”

Os romanos capturavam diariamente um grande número destas pessoas que tentavam encontrar fora da cidade algum tipo de erva que pudessem comer e dar a seus filhos. Cerca de quinhentas pessoas eram crucificadas todos os dias à vista dos que estavam na cidade. Josefo comenta que “não eram suficientes as cruzes, e havia já falta de lugar, para tantos instrumentos de suplício” e que “a morte que recebiam das mãos dos inimigos parecia-lhes suave em comparação com o que a fome e a miséria os faziam sofrer.”

Tito mandou cortar as mãos de várias pessoas que eram capturadas, e depois de fazê-lo, enviava-os de volta à cidade para servirem de exemplo aos outros.

Não faz isto nos lembrar as palavras do povo diante de Pilatos? ” O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos.” (Mateus 27 : 25)

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A Guerra dos Judeus contra os Romanos – Parte 5 – Tito ataca os Muros de Jerusalém

O objetivo inicial de Tito era tomar a fortaleza de Antônia. Mandou cortar as árvores que havia ao redor da cidade e com a madeira ergueu plataformas junto ao primeiro muro no seu lado. Os trabalhadores eram protegidos das setas atiradas pelos judeus com telhas, ao mesmo tempo que catapultas atiravam enormes pedras contra os muros. Vários arietes eram usados para derrubar os muros. Josefo conta que o barulho das batidas era tão intenso, que este fez com o terror se espalhasse de tal forma dentro da cidade que causou aquilo que Vespasiano já previra muito tempo antes: os grupos de revoltosos que dominavam a cidade juntaram-se contra o inimigo comum. Distribuíram-se pelas muralhas e passaram a atirar grande quantidade de fogo e de dardos contra as máquinas dos romanos e contra os que manejavam os aríetes. Tinham também várias catapultas deixadas pelos romanos no tempo de Céstio, mas mal sabiam usá-las.

Depois de quinze dias de investida, os romanos conseguiram tomar o controle do primeiro muro, conforme Josefo, no dia 7 de maio.

Na sequência desta conquista Tito ordenou que atacasse o segundo muro pelo seu lado norte, onde mandou concentrar os arietes e atiradores de dardos. Em cinco dias tomaram este muro que dava para a cidade nova, entrando nela com cerca de dois mil soldados.

Viviam naquela parte da cidade os comerciantes. Tito aprisionou muitos e proibiu que os matassem ou que se incendiassem suas casas, pois, ao mesmo tempo que desejava conquistar a cidade, desejava também conservá-la para o império e o Templo para a cidade. Prometeu a eles que poderiam conservar seus bens desde que se rendessem, mas os sediciosos que ocupavam aquela região da cidade ameaçaram matar os que falassem em se entregar e até mesmo os que somente ousassem proferir a palavra paz.

Estes primeiros soldados romanos que entraram naquela região da cidade se deram mal, pois ficaram encurralados entre o primeiro e o segundo muros, de maneira que o número de judeus só fazia aumentar e o ataque contra estes soldados foi brutal. Josefo diz que as ruas desta parte da cidade eram muito estreitas e o conhecimento do lugar dava aos judeus grande vantagem, de maneira que por um tempo conseguiram retomar o controle do local.

Os judeus, conforme explica Josefo, entenderam que aquele contingente que entrara na cidade era todo o exército romano, como se Deus, para castigar seus pecados, os cegasse em suas considerações, fazendo que nem sequer imaginassem que aqueles eram apenas um simples destacamento: “Eles não imaginavam que os que haviam repelido eram apenas uma pequeníssima parte do exército romano e que a fome, que crescia sempre, era para eles outro inimigo não menos temível. Havia já algum tempo que se podia dizer que eles viviam dos bens do povo e bebiam seu sangue, pois tantos homens de bem sofriam muito, e vários já tinham morrido à míngua. Mas esse malvados consideravam a desgraça dos outros como vantagem para si mesmos. Julgavam dignos de viver somente os inimigos da paz, que só viviam para fazer guerra aos romanos; todo o restante era para eles uma multidão inútil, que lhes era de peso; e mais cruéis para com seus próprios cidadãos, do que os bárbaros para com os seus, alegravam-se em ver morrer aquele pobre povo. Os romanos atacaram de novo, contra sua expectativa, aquele mesmo muro que tinham conquistado e perdido, e o fizeram durante três dias seguidos, dando diversos assaltos, que os judeus sustiveram com tanto ardor que eles foram sempre repelidos. Mas no quarto dia, Tito preparou um ataque tão violento que os judeus não puderam sustentá-lo, e assim pela segunda vez ele se apoderou desse muro. Mandou então destruir tudo o que estava do lado do norte e colocou guardas nas torres que estão voltadas para o sul.” (Ibid 412-413)

Tito, antes de atacar o terceiro muro deu aos sediciosos a oportunidade da rendição; Tentou atemorizar o povo fazendo uma exibição de todas as suas tropas; mandou dispôs delas num lugar onde os judeus as podiam ver e mandou pagar o soldo a todos os homens. Mas nem isto fez com que mudassem de ideia.

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A Guerra dos Judeus contra os Romanos – Parte 4 – Os Muros de Jerusalém

Neste tempo Tito iniciou sua marcha contra Jerusalém. Conforme Josefo, “Tito tinha além das três legiões que haviam servido sob o imperador, seu pai, e devastado a Judeia, a décima segunda, que não somente era composta de ótimos soldados, mas ainda se lembravam dos infelizes resultados sob o comando de Céstio e esperavam o momento de se vingar de tal afronta.” (Ibid 382)

Para além das forças que já tinha a seu dispor na Judeia, contou com grandes reforços enviados pelos reis do entorno, além de sírios, e dois mil homens escolhidos no exército de Alexandria, que juntos com três mil outros que vinham do Eufrates, eram comandados por Tibério Alexandre, governador do Egito e o primeiro que havia aderido a Vespasiano. Não bastassem tais credenciais, diz Josefo que Tibério era um homem de grande experiência em assuntos de guerra.

A formação dos exércitos que marcharam contra Jerusalém era mesmo digna da mais épica das conquistas, e nada se parecia com a tomada de uma pequena cidade: “Primeiro vinham as tropas auxiliares; seguiam-nas os operários para preparar as estradas. Depois vinham os que estavam encarregados de demarcar os limites do acampamento. Atrás destes, as bagagens dos chefes, com sua escolta. Logo depois vinha Tito, acompanhado por seus guardas e outros soldados escolhidos; atrás dele, um corpo de cavalaria, que estava à frente das máquinas. Os tribunos e os chefes das coortes seguiam também acompanhados por soldados escolhidos. Logo depois vinha a águia rodeada pelas insígnias das legiões, precedida por trombetas. Os corpos de batalha como marchavam os soldados seis a seis, vinham em seguida. Os servos das legiões estavam atrás, com a bagagem; os que traziam os víveres e os operários com tropas especiais para sua guarda fechavam a marcha.” (Ibid 383)

Tito avançou com seiscentos cavaleiros escolhidos, para explorar Jerusalém, quando foi atacado por um grande número de judeus, ficando assim, separado do restante de seu exército. Mesmo não estando armado, pois só pretendia fazer o reconhecimento do campo de batalha, Tito, sem se ferir escapou, chegando ao seu acampamento com o restante dos homens. Sobre este episódio Josefo faz o seguinte comentário: “Vimos então, que as vicissitudes da guerra e a conservação dos soberanos pertencem a Deus, unicamente. Embora Tito não estivesse armado, porque não tinha vindo para combater, mas apenas para fazer um reconhecimento, nenhum daquele número infinito de dardos que foram lançados o atingiu; todos passavam além, como se um poder invisível tivesse o cuidado de desviá-los.” (Ibid 384)

Interessante notar, que mesmo no meio de uma guerra, a páscoa foi celebrada aquele ano. Como vimos, eram três grupos de malfeitores que lutavam dentro da cidade por sua posse. Um era liderado por Eleazar, outro por João e outro por Simão. O grupo liderado por Eleazar, que estava de posse da parte interior do Templo, abriu naquela ocasião suas portas para a celebração da data. Aproveitando a oportunidade, o grupo de João atacou o rival e o derrotou, consolidando-se assim, como senhor do Templo. Restaram assim, dois grupos dentro da cidade: o de João e o de Simão.

Para tomar a cidade Tito teria que controlar seus muros bem como as fortalezas que os protegiam. Imaginando-se Jerusalém como uma estrutura quadrada, a cidade era, naquele tempo, cercada por um muro tríplice em três de seus lados. No quarto lado, o muro era de uma estrutura única, pelo fato deste lado dar de frente para um vale praticamente inexpugnável. Diz Josefo que havia muitas casas neste vale.

Este muro tríplice foi construído em diferentes épocas, tendo sido o primeiro deles iniciado por Davi. Começava na torre chamada Hípicos, no lado ocidental, e ia terminar no pórtico do Templo, que está do lado do oriente. Ali começava o segundo muro e ia até a Fortaleza Antônia do lado do norte. O terceiro muro começava na torre de Hípicos, estendia-se do lado norte até a torre Psefina, e era obra do rei Agripa, pai do Agripa daquele tempo.

Havia noventa torres espalhadas no decurso destes muros usadas para sua proteção, entre as quais, a torre Psefina, em frente à qual Tito havia estabelecido seu acampamento, que diz Josefo, superava a todas as demais em beleza. Sua forma era ortogonal, muito alta, de maneira que que quando o sol despontava, de lá se podia ver a Arábia, o mar e até as fronteiras da Judéia.

Em frente dessa torre estava a de Hípicos e muito perto dela, ainda duas outras, Fazaela e Mariana, todas construídas por Herodes, o Grande,

Herodes, aquele que, visando matar Jesus, ainda na sua infância, mandou eliminar todos os meninos nascidos em Belém, com idade inferior a dois anos, era, para além de um déspota terrível, um grande arquiteto, talvez o maior de seu tempo e possivelmente um dos maiores que haja existido até hoje.

Estas três torres formavam um único conjunto arquitetônico, que conforme Josefo, possuíam uma beleza e força tão extraordinárias que não havia outras comparáveis no mundo.

A primeira torre, de cerca de quarenta metros de altura, Herodes chamou de Hípicos, nome de um amigo. A segunda, Fazaela, levava este nome em homenagem a Fazael, seu irmão. Tinha também cerca de quarenta metros de altura e assemelhava-se ao farol de Alexandria. Esta torre servia de quartel general de Simão, o líder de um dos grupos de malfeitores que ocupava a cidade. A terceira tinha o nome da rainha Mariana, esposa de Herodes, a quem ele próprio assassinou por conta do ciúmes. Era a mais baixa das três, com cerca de trinta metros de altura, mas ainda assim, diz Josefo que superava as outras duas em beleza e em riqueza de detalhes.

Outra das torres digna de nota é a Fortaleza Antônia, também construída pelo rei Herodes para homenagear Marco Antônio de quem fora amigo. Era ao mesmo tempo forte em seu exterior e luxuosa por dentro, como um um palácio. Dela se podia ver todo o Templo. Diz Josefo que o Templo era como a cidadela de Jerusalém, e a torre Antônia era como a cidadela do Templo, de maneira que os romanos, quando ainda dominavam a cidade, mantinham lá uma guarnição para defender não só a fortaleza, como também a cidade e o Templo. Estes foram todos mortos no tempo de Céstio.

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A Guerra dos Judeus contra os Romanos – Parte 3 – A Guerra Civil dentro de Jerusalém

Neste tempo formava-se dentro de Jerusalém um terceiro grupo de malfeitores oriundo da divisão do partido dos zelotes, aos quais Josefo chama de animais por seu ódio gratuito e brutalidade. Eram, portanto, três grupos dentro da cidade a se atacarem mutuamente, bem como as populações que estavam em seu caminho.

Em seu futuro breve, quando Tito já houvesse conquistado Jerusalém, Josefo diria: ” Cidade infeliz, que sofreste de semelhante, depois que os romanos, entrando pela brecha, reduziram-te a cinzas, para purificar com o fogo, tantas abominações e crimes que atraíram sobre ti os raios da vingança de Deus.

Poderias continuar a ser o lugar adorável, onde ele tinha estabelecido sua morada e ficar impune, depois de ter pela mais sangrenta e cruel guerra civil, como nunca se viu, feito de seu Templo, o sepulcro de teus concidadãos? Não desesperes, porém, em acalmar sua cólera, contanto que teu arrependimento iguale a enormidade de tuas ofensas. Mas devo conter meus sentimentos, pois que a lei da história em vez de me permitir deter-me para chorar minhas desgraças, obriga-me a apresentar a sequência dos tristes efeitos de nossas funestas divisões.” (Ibid, 377)

Esses três partidos opostos agiam uns contra os outros em Jerusalém, tendo o Templo como campo de batalha; isto no sentido literal da palavra, uma vez que lá todos lutavam por sua posse por estar localizado nas partes mais altas da cidade. Acrescente-se ainda que nas imediações do Templo havia um grande depósito de trigo que terminou por ser incendiado, causando assim uma grande carestia de alimentos, o que veio afinal, trazer grande fome e maior sofrimento à cidade.

Josefo descreve desta forma a situação da cidade: “No meio de tantos males que afligiam Jerusalém de todos os lados e que tornavam aquela infeliz cidade como um corpo exposto ao furor das feras mais cruéis, os velhos e as mulheres suspiravam pelos romanos e desejavam ser libertados por uma guerra estrangeira, das misérias que aquela guerra doméstica os fazia sofrer.

Jamais desolação foi maior do que a daqueles infelizes habitantes; qualquer resolução que eles tomavam, não achavam meio de a executar; nem podiam fugir, porque todas as passagens estavam guardadas; os chefes desses partidos tratavam como inimigos e matavam a todos os de que suspeitavam querer se entregar aos romanos e a única coisa em que estavam de acordo, era dar a morte aos que mais mereciam viver.

Ouviam-se dia e noite os gritos dos que lutavam, uns contra os outros; por maior impressão que causasse o medo nos espíritos, os lamentos dos feridos feriam-nos ainda mais; tantas desgraças davam sem cessar novos motivos de aflição, mas o temor sufocava as palavras e por uma cruel imposição retinha os suspiros no coração; os servidores haviam perdido todo o respeito por seus senhores; os mortos eram privados da sepultura, todos se descuidavam de seus deveres porque não havia mais esperança de salvação; a horrível crueldade daqueles facciosos chegou a incríveis excessos: eles faziam montes de corpos dos que haviam matado, espezinhavam-nos e deles se serviam como de um campo de batalha onde combatiam, com tanto furor, que a vista de tão espantoso espetáculo, obra de suas mãos, aumentava ainda o fogo da ira que lhes incendiava o coração.” (Ibid 380)

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